Pois então, o título diz tudo.
Eu sempre tive, em várias situações, visões completamente
opostas de mim mesma.
Acho que isso vem de ter sido criada em dois mundos. Duas
famílias e situações diferentes, ao mesmo tempo.
Oi, narcisismo! |
Para minhas primas, naqueles terríveis anos da adolescência,
eu era a única que morava na capital. Filha única. Eu era, consequentemente,
mimada e patricinha. Eu acho que nessa parte da minha vida eu aceitei esse
papel pra mim. A gente aceita papéis, inclusive os que impomos sobre nós
mesmos.
No outro lado, na cidade grande, no colégio, eu não era nem
de longe mimadinha ou patricinha. Acho que é a comparação. Eu era a guria meio
grande, que às vezes falava alguma piada, tinha mil coisas extra classe, tocava
uns instrumentos aí, lia umas coisas, saía pra acampar ou que achava normal
fazer xixi no mato.
Tá certo, eu era mais do que isso, eu acho. Mas vocês
entendem onde eu quero chegar?
Eu estou sempre preocupada em QUAL das caixinhas
tipificadoras eu seria colocada. Mesmo que a realidade não fosse bem assim.
Eu nunca soube o que eu sou ou o que eu quero ser. Quando eu
me maquio, me arrumo, penso, ao mesmo tempo, que as outras pessoas me acham uma
farsa, uma desengonçada troglodita que quer se fazer feminina e arrumadinha,
tentando cumprir um papel, ou, no extremo oposto, que eu sou uma pessoa
extremamente fútil, só preocupada com a aparência. Essas duas Lúcias me
perseguem minha vida inteira.
Eu sou prática e ao mesmo tempo romântica. Troglodita e ao
mesmo tempo extremamente sensível. Fui acusada de ambos. Eu sou tranqüila e ao
mesmo tempo sofro de ataques de ansiedade. Eu não dou tanta importância pra
alguns detalhes da minha aparência, não faço escândalo com um cabelo fora do
lugar ou uma unha quebrada, mas adoro maquiagem e comprar roupas novas.
Eu acho que eu sou normal, no fim, mas essa patrulha do não
poder ser conflitante, do 8 ou 80, me aflige. E ser adulto te coloca, de certa
forma, cada vez mais nessas caixinhas.
Só que se tornar adulto num país diferente, numa língua
diferente, numa tela em branco, é diferente.
Na família dos Collischonns inteligentes, criativos e
práticos eu sempre fui ativa na parte artística, mas sempre fui a que “não
gosta de trabalhar”, “a que tira o corpo mole na hora de lavar a louça”.
Tá certo, eu odeio lavar a louça, e acredito no ócio
criativo pós-prandial. Mas isso não vem ao caso.
Quando eu disse que ia pra Alemanha, ouvi muitos “não sabe
cuidar de si mesmo no Brasil, como vai fazer em outro país?”. Pensando na Lúcia
mimada, folgada e preguiçosa, óbvio.
Mas não sei de onde surgiu essa do “não sabe se virar”.
Todos sabem que, para ter que se virar, é necessário
primeiro estar em uma situação em que isso seja necessário. Eu não estive nessa
situação muitas vezes, pois tenho sorte, e quando estive, ADIVINHEM, me virei.
Eu funciono na pressão, escrevo trabalho na noite anterior.
Mas eu me viro. Eu sempre dou um jeito.
Acho que o segredo é não
se fingir adulto. E isso eu sei bem. Eu sei perguntar, sem medo de parecer
idiota, e estou fazendo muito isso aqui, em outra língua e cultura.
A alegria de lavar minha própria roupa, por exemplo, e a
vergonha de admitir pra minha “mãe” aqui que eu, na verdade, nunca fiz.
Sim. Me julguem. Eu nunca tinha lavado uma roupa na máquina.
Mas eu aprendi, quando precisei. Eu aprendo e, no fim, me
viro.
Não tem muito segredo.
O bom dessa tela em branco é que ninguém me vê como
mimadinha patricinha adultinha ou troglodita. Eu posso ser quem eu quiser.
O ruim disso é eu eles só podem me ver como isso que eu sou
agora, não como a pessoa que eu fui ou o que eu já fiz e conquistei.
Mas acho que novos começos são assim mesmo.
Viajar não resolve nossos problemas, carregamos eles conosco,
mas viajar nos dá a oportunidade de um novo começo, talvez me dê a oportunidade
de escrever uma nova Lúcia, um pouco mais adultinha, menos patricinha ou
bichinho do mato.
Na verdade, me deixem ser o que eu quiser ser, com diminutivos
ou não.
E isso eu digo pra mim mesma, já que sou a minha maior
censora de identidades.